ESPECIFICIDADES DO TRABALHO DOCENTE EM RELAÇÃO AO TRABALHO CAPITALISTA
Carlos Antonio Fortuna de Carvalho
Licenciado em Pedagogia pela FE/UFG
Em primeiro lugar é preciso discorrer sobre a natureza, conceito e historicidade do trabalho. Vítor Henrique Paro (1993) a partir de uma análise marxista supõe que o trabalho é uma atividade humana adequada a um fim, que diferencia o homem e a mulher na natureza, ou seja, a capacidade de estabelecer racionalmente um objetivo para a sua intervenção na natureza é o que caracteriza o ser humano e o faz interagir com outros seres humanos e evoluir. As espécies de animais que compõem a natureza realizam atividades ao longo de suas vidas, entretanto não evoluem.
O homem e a mulher possuíam o domínio de todo o processo de trabalho de tal forma que se identificavam o resultado final, o “produto”. Entretanto, principalmente a partir do declínio do feudalismo e o advento do Estado Moderno e capitalista, o domínio sobre os meios de produção foi expropriado. Esses meios de produção agora estavam sobre o domínio do capitalista e o processo foi fragmentado. Homens e mulheres já não dominavam o processo produtivo, e nem se identificavam com o seu resultado, ou seja, o produto (objeto). Restou-lhes somente a venda da sua força de trabalho de forma explorada. E mais ainda,
O processo de produção capitalista só se sustenta, pois, a partir da exploração do trabalho alheio. Da mesma forma, para que o capitalismo se perpetue, é necessário que as relações sociais que se dão no nível da produção sejam relações de exploração dos proprietários dos meios de produção sobre os dispõem apenas da própria força de trabalho (PARO, 1996, p.44).
Diante da necessidade de otimização do processo produtivo capitalista, foi necessário o desenvolvimento de uma estrutura organizacional que propiciasse uma racionalização do processo capaz de garantir a gerência, controle e fragmentação da produção, com o objetivo de garantir a produtividade, o lucro, a mais-valia (fruto da exploração do trabalhador) e conseqüentemente, a acumulação do capital. A esse conjunto de procedimentos aqui mostrado de forma bem resumida dá-se o nome de Administração Capitalista.
Não de hoje, por razões de manutenção do status quo, têm-se tentado a implantação do modelo de Administração Capitalista nas escolas, principalmente na rede pública. A análise a ser feita é como isso pode ser feito, tendo em vista que na nesse modelo, o foco é no produto (objeto). E qual é o objeto da escola? Qual produto a escola gera? Assim como o produto é a razão da existência do modo de produção capitalista, o aluno é a razão da existência da escola. Pensado assim, o aluno é o produto da escola? Tem algum sentido a objetivar o aluno? Certamente não! O que a escola proporciona é o conhecimento e o sujeito desse conhecimento é o aluno, nesse sentido torna-se ao mesmo tempo sujeito e objeto enquanto destinatário a ser transformado pelo processo de construção do saber.
Diante disso, a reflexão se volta para o objetivo do conhecimento proporcionado pela escola. Se for um conhecimento voltado para a simplória formação da mão de obra que irá suprir a necessidade do sistema capitalista, ou uma formação integral voltada para a construção da autonomia e devido a isso certamente vai questionar esse modelo de economia e sociedade de exploração. Esse debate sobre o modelo e o papel social da escola passa principalmente sobre como ela deve ser administrada, com uma estrutura vertical e hierárquica ou como espaço democrático de gestão. Sobre isso, o educador Anísio Teixeira discorreu sobre quem deve administrar a escola,
Jamais, pois, a administração escolar poderá ser equiparada ao administrador de empresa, à figura hoje famosa do manager (gerente) ou do organization-man, que a industrialização produziu na sua tarefa de máquino-fatura de produtos materiais. Embora alguma coisa possa ser aprendida pelo administrador escolar de toda a complexa ciência do administrador de empresa de bens materiais de consumo, o espírito de uma e outra administração são de certo modo até opostos. Em educação, o alvo supremo é o educando a que tudo mais está subordinado; na empresa, o alvo supremo é o produto material, a que tudo mais está subordinado. Nesta, a humanização do trabalho é a correção do processo de trabalho, na educação o processo é absolutamente humano e a correção um certo esforço relativo pela aceitação de condições organizatórias e coletivas inevitáveis. São, assim, as duas administrações polarmente opostas (TEIXEIRA, 1968, p.15).
Administração Escolar enquanto estrutura legal, organizacional e administrativa tem de um lado o governo com uma filosofia sobre como deve ser a escola, e de outro a execução do trabalho docente em si. Nem sempre o que é desejado por um ou por outro é possível de execução. Por esse motivo é que a escola, principalmente a escola pública, configura-se como lugar de disputa ideológica. De um lado, estruturada e forte, uma linha que visa a perpetuação do sistema de exploração e acumulação de capital, de outro, com grandes dificuldades, a que defende uma abordagem crítica e autônoma.
A disputa é ampliada para além do chão da escola e atinge também sobre a sociedade e como esta pensa ser o objetivo da escola. Está enraizado na população um modelo de educação meritocrática, marcado pela obrigação da conquista de notas como método de aferição do conhecimento. Para Tragtenberg (2018), também há contradições dos pais e da população em geral em relação ao papel do professor e da própria escola. O professor, ao mesmo tempo em que seu trabalho não é valorizado, é reconhecido como dono do saber. E também é cobrada dele uma postura autoritária que enquadre e condicione os alunos, preparando-os para a vida adulta de servidão ao sistema capitalista. Da escola, cobra-se um modelo de ensino com vistas à memorização e medição da eficácia, desviando-se do seu objetivo principal, que é a formação geradora de autonomia.
Isso ocorre porque existe uma estrutura capitalista para esse fim que mobiliza governos, grandes empresas, grande mídia, associações e entidades do terceiro setor que, agindo através de ações de suposta responsabilidade social, têm como objetivo final a implantação de um modelo educacional alienante.
Esse é o modelo de escola desejado pela estrutura capitalista, uma escola controladora de conteúdos e comportamentos, geradora de força de trabalho inerte diante das injustiças sociais. Entretanto, enquanto como campo de disputa, a escola sempre terá como especificidade a capacidade de formar sujeitos críticos e autônomos, capazes de lutar pela construção de uma de uma sociedade mais justa.
REFERÊNCIAS
PARO, Vitor Henrique. A natureza do trabalho pedagógico. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 103-109, jan./jun. 1993.
PARO, Vitor H. Administração Escolar: introdução crítica. – 7ª ed.- São Paulo: Cortez, 1996 (A Administração Capitalista - p.35-79).
TEIXEIRA, Anísio Spinola. Natureza e função da Administração Escolar. In: Administração Escolar: Edição comemorativa do I Simpósio Interamericano de Administração Escolar. Salvador: ANPAE, 1968, p.9-17.
TRAGTENBERG, Mauricio. A escola como organização complexa. Educ. Soc. , Campinas, v. 39, n. 142, pág. 183-202, janeiro de 2018. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101- 73302018000100183&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em 25 de setembro de 2020.
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