domingo, 28 de março de 2021

 

DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCAÇÃO

 

Carlos Antonio Fortuna de Carvalho

 Licenciado em Pedagogia FE/UFG


            Ao analisarmos a desigualdade social e suas relações com a educação devemos como primícia entender que a escola é campo de disputa ideológica no contexto de uma sociedade classista. Nesse locus são “forjados” na perspectiva tradicional/doutrinadora ou “construídos” na perspectiva renovadora/progressista/liberal, os ideais, valores e visão de mundo que certamente vão influenciar nas escolhas e atitudes dos educandos ao longo de suas vidas.

A mera doutrinação para o mercado proporcionada pela escola tradicional perpetua a desigualdade quando propõe um modelo social hierarquizado, que divide a população em classes, onde uma minoria é detentora das riquezas e a maioria é servil e empobrecida. Já a perspectiva progressista de educação tem como característica a formação de sujeitos autônomos e capazes de enxergar a sociedade e as suas disparidades, contribuindo nas mudanças necessárias para a construção da justiça social.

A realidade social é marcada por situações de vão desde a dificuldade da população menos favorecida no acesso a serviços básicos como saúde, educação, saneamento, transporte público e habitação, até a baixa remuneração dos trabalhadores. Esse conjunto de situações compromete a qualidade de vida da grande maioria da população, principalmente em países caracterizados como de “terceiro mundo”, o que não é o caso do Brasil, onde embora haja muita desigualdade social, dado o nível de desenvolvimento industrial, exportação, comércio e serviços, ascendeu à categoria de país “emergente”. Entretanto, nos últimos dois anos a economia brasileira tem encolhido, caindo da 9ª posição em 2019 para a 12ª posição em 2020 como resultado de uma política econômica desastrosa e extremamente neoliberal do atual governo. Apesar do PIB (Produto Interno Bruto) não ser sinônimo de distribuição justa das riquezas de um país, ainda assim uma contração econômica acentua os níveis de probreza da população.

            Fazendo uma breve cronologia histórica, vimos que o conceito de justiça social começou a ser fomentado a partir do rompimento com a sociedade feudal no século XIV, com a da migração da população do campo para as cidades, do desenvolvimento do comércio e o surgimento e ascenção econômica da burguesia. Mas o Estado ainda era absolutista sob a égide de um rei. Posteriormente, sob inspiração das ideias do Iluminismo, também ocorreu o fim do Estado Absolutista, tendo como principal marco a Revolução Francesa, que tinha como ideais “liberdade, igualdade e fraternidade”. Esses ideais foram sendo distorcidos a partir do desenvolvimento do capitalismo, principalmente após o advento da Revolução Industrial no século XVIII, período caracterizado por grandes transformações no processo produtivo, com novas tecnologias e novas relações de trabalho. O trabalhador não era mais um especialista que dominava todo o processo de produção manual. Com o uso das máquinas,  as atividades tornaram-se mais simples e mão de obra facilmente substituível. Com isso, os salários despencaram, as condições de trabalho pioraram e as jornadas eram extenuantes. Esse modelo econômico capitalista, mesmo diante de muitas lutas dos trabalhadores é o que prevalece até hoje. Mesmo tendo sofrido mutações na sua dinâmica de funcionamento, a essência da exploração da mais-valia permanece.

O que caracteriza a desigualdade social é a distinção econômica entre pessoas dentro de uma sociedade (Bezerra, 2020) onde o valor do indivíduo é medido a partir da sua capacidade econômica, ou seja, capacidade de consumir produtos e serviços e de acumular patrimônio. Isso fomenta um senso de competição que não raro sobrepõe o da coletividade. No Brasil de origens coloniais e escravizadoras a disparidade entre as classes sociais é potencializada de tal forma que dificilmente uma pessoa de origem menos favorecida terá oportunidade de almejar os melhores empregos, boa remuneração e qualidade de vida.

            A lógica da acumulação e da competição vai beneficiar principalmente a elite econômica, que é detentora do grande capital. Esses grandes capitalistas têm grande interesse na manutenção de um sistema econômico baseado na exploração da mão de obra dos trabalhadores, flagrante na baixa remuneração, perda de direitos trabalhistas e garantida pela reserva de mão de obra proporcionada pela massa desempregada. Outro aspecto é a deteriorização do papel do Estado enquanto garantidor do bem estar social. Esse contexto desigual resulta em graves situações que atingem a grande maioria da população, que é colocada à margem da sociedade, tornando-se cada vez mais vulnerável às mazelas da insegurança alimentar, favelização, violência (inclusive do Estado) e a criminalidade.

            A partir dessa realidade, a educação configura-se como campo de embate de interesses. De um lado estão os que pretendem a manutenção do status quo e defendem uma escola que funciona como aparelho doutrinador para o mercado, e de outro, os que almejam a construção de uma sociedade mais justa socialmente. Miranda (2020) destaca a necessidade de rompimento com as práticas escolares reforçadoras da pobreza e reprodutoras da desigualdade. A situação de pobreza não pode ser vista como uma característica individual, mas como projeto socialmente constituído (LIMA; MORAES; TEIXEIRA, 2020).

            A estrutura escolar, grosso modo, está impregnada de valores doutrinadores que visam a manutenção das desigualdades, perceptível quando

 

O contexto escolar espelha circunstâncias de pobreza e exclusão, não alheias aos fatores internos a esse ambiente, mas que podem também serem intensificadas, por exemplo, pela organização do cotidiano escolar, pela adoção de um currículo que fortalece atividades conteudistas, restritas e terminam por formalizar o ambiente escolar como um local de segregação e não de inclusão (FARIA, 2020, p.148-149).


            Se a perspectiva sobre a educação é o acomodamento diante do status quo, cada vez mais a miséria será acentuada para muitos e uma pequena minoria será detentora das riquezas produzidas a partir da atividade econômica. É preciso desnaturalizar a pobreza, o Estado não pode se ausentar da responsabilidade de ser agente de transformação social na busca da justiça social.

Romper com esse projeto significa a elaboração e/ou aperfeiçoamento das políticas educacionais, do currículo e das práticas no âmbito da escola e da docência que visem a transformação do papel social da escola, configurando-a como espaço de emancipação dos sujeitos e dessa forma contrapor-se ao prognóstico da intensificação das desigualdades sociais, dentro de uma sociedade marcada por uma política econômica neoliberal. Desafios como a evasão escolar, analfabetismo funcional, estrutura ruim, baixa remuneração dos professores e demais trabalhadores da educação, estão postos e devem ser superados pela mobilização visando uma revolução educacional. A educação é o caminho.


REFERÊNCIAS

Acompanhamento e avaliação do curso de Aperfeiçoamento Educação, Pobreza e Desigualdade Social Ofertado em Goiás. In: LIMA, Daniela; MORAES, Karine; RIBEIRO, Rosselini. Desigualdade social e pobreza: múltiplas faces frente à educação. Goiânia: Cegraf UFG, 2020.

ALVARENGA, Darlan. Brasil sai de lista das 10 maiores economias do mundo e cai para a 12ª posição, aponta ranking. G1 – O portal da notícias da Globo, 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/03/03/brasil-sai-de-lista-das-10-maiores-economias-do-mundo-e-cai-para-a-12a-posicao-aponta-ranking.ghtml>. Acesso em: 27 de março de 2021.

BEZERRA, Juliana. Desigualdade Social. Toda Matéria, 2020. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/desigualdade-social/>. Acesso em: 14 de março de 2021.

Educação, pobreza e desigualdade social. In: MIRANDA, Marília. Desigualdade social e pobreza: múltiplas faces frente à educação. Goiânia: Cegraf UFG, 2020.

NEVES, Daniel; SOUSA, Rafaela. Revolução Industrial. Brasil Escola, 2021. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/historiag/revolucao-industrial.htm>. Acesso em: 27 de março de 2021.

Perfil dos Cursistas do Curso de Aperfeiçoamento Educação, Pobreza e Desigualdade Social ofertado em Goiás. In: LIMA, Daniela; MORAES, Karine; TEIXEIRA, Ricardo. Desigualdade social e pobreza: múltiplas faces frente à educação. Goiânia: Cegraf UFG, 2020.

PISSURNO, Fernana P. Ideais da Revolução Francesa. InfoEscola: Navegando e Aprendendo, 2021. Disponível em: <https://www.infoescola.com/historia/ideais-da-revolucao-francesa/>. Acesso em: 27 de março de 2021.

Pobreza e Escola: Discurso e Silenciamento no Contexto Educacional. In: FARIA, Edna. Desigualdade social e pobreza: múltiplas faces frente à educação. Goiânia: Cegraf UFG, 2020.

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