DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCAÇÃO
Carlos Antonio Fortuna de Carvalho
Ao analisarmos a desigualdade social
e suas relações com a educação devemos como primícia entender que a escola é
campo de disputa ideológica no contexto de uma sociedade classista. Nesse locus são “forjados” na perspectiva
tradicional/doutrinadora ou “construídos” na perspectiva renovadora/progressista/liberal,
os ideais, valores e visão de mundo que certamente vão influenciar nas escolhas
e atitudes dos educandos ao longo de suas vidas.
A mera doutrinação para o mercado proporcionada pela
escola tradicional perpetua a desigualdade quando propõe um modelo social
hierarquizado, que divide a população em classes, onde uma minoria é detentora
das riquezas e a maioria é servil e empobrecida. Já a perspectiva progressista
de educação tem como característica a formação de sujeitos autônomos e capazes
de enxergar a sociedade e as suas disparidades, contribuindo nas mudanças
necessárias para a construção da justiça social.
A realidade social é marcada por situações de vão
desde a dificuldade da população menos favorecida no acesso a serviços básicos
como saúde, educação, saneamento, transporte público e habitação, até a baixa
remuneração dos trabalhadores. Esse conjunto de situações compromete a
qualidade de vida da grande maioria da população, principalmente em países
caracterizados como de “terceiro mundo”, o que não é o caso do Brasil, onde
embora haja muita desigualdade social, dado o nível de desenvolvimento industrial,
exportação, comércio e serviços, ascendeu à categoria de país “emergente”. Entretanto,
nos últimos dois anos a economia brasileira tem encolhido, caindo da 9ª posição
em 2019 para a 12ª posição em 2020 como resultado de uma política econômica desastrosa
e extremamente neoliberal do atual governo. Apesar do PIB (Produto Interno
Bruto) não ser sinônimo de distribuição justa das riquezas de um país, ainda
assim uma contração econômica acentua os níveis de probreza da população.
Fazendo uma breve cronologia
histórica, vimos que o conceito de justiça social começou a ser fomentado a
partir do rompimento com a sociedade feudal no século XIV, com a da migração da
população do campo para as cidades, do desenvolvimento do comércio e o
surgimento e ascenção econômica da burguesia. Mas o Estado ainda era
absolutista sob a égide de um rei. Posteriormente, sob inspiração das ideias do
Iluminismo, também ocorreu o fim do Estado Absolutista, tendo como principal
marco a Revolução Francesa, que tinha como ideais “liberdade, igualdade e
fraternidade”. Esses ideais foram sendo distorcidos a partir do desenvolvimento
do capitalismo, principalmente após o advento da Revolução Industrial no século
XVIII, período caracterizado por grandes transformações no processo produtivo,
com novas tecnologias e novas relações de trabalho. O trabalhador não era mais
um especialista que dominava todo o processo de produção manual. Com o uso das
máquinas, as atividades tornaram-se mais
simples e mão de obra facilmente substituível. Com isso, os salários
despencaram, as condições de trabalho pioraram e as jornadas eram extenuantes. Esse
modelo econômico capitalista, mesmo diante de muitas lutas dos trabalhadores é
o que prevalece até hoje. Mesmo tendo sofrido mutações na sua dinâmica de
funcionamento, a essência da exploração da mais-valia permanece.
O que caracteriza a desigualdade social é a
distinção econômica entre pessoas dentro de uma sociedade (Bezerra, 2020) onde
o valor do indivíduo é medido a partir da sua capacidade econômica, ou seja,
capacidade de consumir produtos e serviços e de acumular patrimônio. Isso fomenta
um senso de competição que não raro sobrepõe o da coletividade. No Brasil de
origens coloniais e escravizadoras a disparidade entre as classes sociais é
potencializada de tal forma que dificilmente uma pessoa de origem menos
favorecida terá oportunidade de almejar os melhores empregos, boa remuneração e
qualidade de vida.
A lógica da acumulação e da
competição vai beneficiar principalmente a elite econômica, que é detentora do
grande capital. Esses grandes capitalistas têm grande interesse na manutenção
de um sistema econômico baseado na exploração da mão de obra dos trabalhadores,
flagrante na baixa remuneração, perda de direitos trabalhistas e garantida pela
reserva de mão de obra proporcionada pela massa desempregada. Outro aspecto é a
deteriorização do papel do Estado enquanto garantidor do bem estar social. Esse
contexto desigual resulta em graves situações que atingem a grande maioria da
população, que é colocada à margem da sociedade, tornando-se cada vez mais
vulnerável às mazelas da insegurança alimentar, favelização, violência
(inclusive do Estado) e a criminalidade.
A partir dessa realidade, a educação
configura-se como campo de embate de interesses. De um lado estão os que
pretendem a manutenção do status quo e
defendem uma escola que funciona como aparelho doutrinador para o mercado, e de
outro, os que almejam a construção de uma sociedade mais justa socialmente.
Miranda (2020) destaca a necessidade de rompimento com as práticas escolares
reforçadoras da pobreza e reprodutoras da desigualdade. A situação de pobreza
não pode ser vista como uma característica individual, mas como projeto
socialmente constituído (LIMA; MORAES; TEIXEIRA, 2020).
A estrutura escolar, grosso modo,
está impregnada de valores doutrinadores que visam a manutenção das
desigualdades, perceptível quando
O contexto escolar espelha circunstâncias de pobreza
e exclusão, não alheias aos fatores internos a esse ambiente, mas que podem
também serem intensificadas, por exemplo, pela organização do cotidiano
escolar, pela adoção de um currículo que fortalece atividades conteudistas,
restritas e terminam por formalizar o ambiente escolar como um local de
segregação e não de inclusão (FARIA, 2020, p.148-149).
Se a perspectiva sobre a educação é
o acomodamento diante do status quo,
cada vez mais a miséria será acentuada para muitos e uma pequena minoria será
detentora das riquezas produzidas a partir da atividade econômica. É preciso
desnaturalizar a pobreza, o Estado não pode se ausentar da responsabilidade de
ser agente de transformação social na busca da justiça social.
Romper com esse projeto significa a elaboração e/ou
aperfeiçoamento das políticas educacionais, do currículo e das práticas no
âmbito da escola e da docência que visem a transformação do papel social da
escola, configurando-a como espaço de emancipação dos sujeitos e dessa forma
contrapor-se ao prognóstico da intensificação das desigualdades sociais, dentro
de uma sociedade marcada por uma política econômica neoliberal. Desafios como a
evasão escolar, analfabetismo funcional, estrutura ruim, baixa remuneração dos
professores e demais trabalhadores da educação, estão postos e devem ser
superados pela mobilização visando uma revolução educacional. A educação é o
caminho.
REFERÊNCIAS
Acompanhamento e avaliação do curso de Aperfeiçoamento Educação, Pobreza e Desigualdade Social Ofertado em Goiás. In: LIMA, Daniela; MORAES, Karine; RIBEIRO, Rosselini. Desigualdade social e pobreza: múltiplas faces frente à educação. Goiânia: Cegraf UFG, 2020.
ALVARENGA, Darlan. Brasil sai de lista das 10 maiores economias do mundo e cai para a 12ª posição, aponta ranking. G1 – O portal da notícias da Globo, 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/03/03/brasil-sai-de-lista-das-10-maiores-economias-do-mundo-e-cai-para-a-12a-posicao-aponta-ranking.ghtml>. Acesso em: 27 de março de 2021.
BEZERRA, Juliana. Desigualdade Social. Toda Matéria, 2020. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/desigualdade-social/>. Acesso em: 14 de março de 2021.
Educação, pobreza e desigualdade social. In: MIRANDA, Marília. Desigualdade social e pobreza: múltiplas faces frente à educação. Goiânia: Cegraf UFG, 2020.
NEVES, Daniel; SOUSA, Rafaela. Revolução Industrial. Brasil Escola, 2021. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/historiag/revolucao-industrial.htm>. Acesso em: 27 de março de 2021.
Perfil dos Cursistas do Curso de Aperfeiçoamento Educação, Pobreza e Desigualdade Social ofertado em Goiás. In: LIMA, Daniela; MORAES, Karine; TEIXEIRA, Ricardo. Desigualdade social e pobreza: múltiplas faces frente à educação. Goiânia: Cegraf UFG, 2020.
PISSURNO, Fernana P. Ideais da Revolução Francesa. InfoEscola: Navegando e Aprendendo, 2021. Disponível em: <https://www.infoescola.com/historia/ideais-da-revolucao-francesa/>. Acesso em: 27 de março de 2021.
Pobreza e Escola: Discurso e Silenciamento no Contexto Educacional. In: FARIA, Edna. Desigualdade social e pobreza: múltiplas faces frente à educação. Goiânia: Cegraf UFG, 2020.