IMPRESSÕES SOBRE O LIVRO
“MANISFESTO COMUNISTA” DE KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS - 1848.
Um
grande atrevimento! É o que considero a minha atitude, ao tentar discorrer
sobre este importante documento histórico, que alicerçou os movimentos socialistas
e comunistas e a formação de vários seguidores até nossos dias. É leitura
obrigatória para todos os que se aventuram pelos caminhos da política, os que
pretendem entender a dinâmica social do modelo capitalista/neoliberal. Concordando
ou não com as idéias abertamente defendidas no livro. E acima de tudo para os
estudiosos das Ciências Humanas.
Vale
destacar que o fato de discorrer sobre o conteúdo do Manifesto não significa que este medíocre escritor concorde
plenamente com a ideologia marxista. Como um cristão formado nas CEB’S
(Comunidades Eclesiais de Base), concordo com muito do que os autores
escreveram e em determinados trechos me dou o direito de não concordar.
Principalmente no que diz respeito à visão cabal da religião como objeto de
alienação e dominação do sistema capitalista. O cristão formado nas CEB’S pensa
a religião sob a perspectiva contrária, ou seja, a mensagem de Jesus
Cristo é libertadora e orienta para a
luta por uma sociedade mais justa e fraterna.
Feitas as ponderações, voltemos ao Manifesto.
O
contexto social da Europa do século XIX foi marcado por uma grande
transformação proporcionada pela Revolução Industrial, precedida pela Revolução
Francesa, na qual aconteceu a ruptura com o a sociedade feudal/absolutista e a ascensão
de uma nova classe dominante, a burguesia.
Os
burgueses eram comerciantes endinheirados das pequenas e grandes cidades, subordinados
politicamente aos nobres (aristocratas) e à Igreja, que, à época enquanto dona
da verdade condenava a acumulação de fortunas, o lucro, excetuando-se claro, a
nobreza e o clero. Apoiados pelas camadas menos favorecidas da pirâmide social
da sociedade aristocrática (plebeus e servos), os burgueses derrubaram a
monarquia feudal/absolutista, sob a luz do movimento Iluminista.
O
novo modelo econômico/social apresentava-se como um sistema no qual o cidadão
teria a liberdade para pensar e ascender socialmente. A origem não mais determinaria
toda a vida da pessoa (servos, plebeus, nobres, etc.).
Os
acontecimentos pós Revolução Francesa, as implicações sociais decorrentes, o
surgimento do proletariado e suas lutas, foram motivadores para dois jovens
pensadores e revolucionários, Karl Marx e
Friedrich Engels, escreverem o Manifesto
em 1848 por encomenda da Liga dos Justos ou Liga Comunista. A proposta dos
autores foi dá embasamento teórico à luta da classe operária, num processo de
formação intelectual e discussão de idéias, como premissas do desenvolvimento dos
partidos oriundos da classe operária e em especial para o Partido Comunista.
O
tema gerador do livro gira em torno da conscientização sobre uma verdade
irrefutável: ao longo da história da humanidade, do desenvolvimento econômico e das
sociedades, sempre existirá a luta de classes, em que uma terá relação de
dominação sobre a outra. Ou seja, explorados e exploradores.
Na
época em que o Manifesto foi escrito,
a relação de domínio e exploração atingiu uma proporção tão alta que os autores
afirmavam defenderam a revolução como única alternativa para a inversão dos papéis,
ou seja, ao invés da burguesia dominar e explorar das mais diversas formas –
principalmente pela exploração do trabalho, da objetivação e submissão do homem
ao produto de seu próprio trabalho – o proletariado não só dominaria, mas eliminaria
a burguesia. A partir daí, seria possível a construção de uma verdadeira
democracia, onde não haveriam dominadores e dominados.
Por que foi intitulado Manifesto Comunista?
Alguém
poderá pensar, Por que não intitulá-lo “Manifesto Socialista”?, a explicação é
que o socialismo à época era considerado um movimento de classe média, enquanto
o comunismo era genuinamente da classe trabalhadora. Enquanto o socialismo era
bem visto, o comunismo era “demonizado”.
O
comunismo estará sempre ao lado da classe operária, porque esta é a sua
essência, a sua razão de existir. A luta da classe operária é maior que outras
revoluções meramente políticas/nacionalistas, os objetivos destas são outros e não
atendem plenamente os anseios da classe operária. Engels afirma: “Nossa
idéia, desde o princípio, era que “a emancipação dos trabalhadores deve ser
obra da própria classe trabalhadora”. Esse objetivo somente será alcançado pela
queda da dominação burguesa.
O
Manifesto não foi escrito como um
livro a ser amplamente divulgado e assim tornar-se um doutrinador. Ele foi
escrito para os comunistas, como embasamento teórico para as lutas do movimento
operário.
O espectro comunista:
Na
Europa do século XIX uma grande ameaça rondava as sociedades. Temido e odiado pela
Igreja, políticos, industriais, enfim, pelos donos do capital. Procuravam a
todo custo exorcizá-lo. Trata-se do fantasma do comunismo. Desde aqueles idos,
a palavra comunismo tem sido associada a toda espécie de pejorativos e isto
persiste até hoje.
Era
e ainda é combatido por ser uma ameaça real ao sistema capitalista. E oriundo
da classe trabalhadora, defensor das causas proletárias. Qualquer movimento que
proporcione a emancipação dos operários, contrariando o sistema de exploração precisa
ser eliminado. A boa notícia é que eles não conseguiram.
Marx
e Engels afirmam categoricamente que “A
história de toda sociedade existente até hoje tem sido a história das lutas de
classes”. Sempre houve uma relação de exploração e oposição em todas as
épocas: nobres e plebeus, senhores e escravos, opressores e oprimidos. Este
antagonismo de classes sempre existiu e sempre existirá, de forma disfarçada ou
aberta. O sistema burguês/capitalista só manteve a relação de exploradores e
explorados, sob nova roupagem, sendo então denominados como capitalistas e
trabalhadores. A diferença é que no sistema burguês, a luta de classes é
flagrante e o debate ideológico é constante.
Os
burgueses tinham dinheiro, mas não tinham nobreza, nem poder político, que
estava num primeiro momento, sob o domínio dos senhores feudais, e
posteriormente com os reis absolutistas. Sob as bênçãos da Igreja que, através
de uma explicação teocêntrica, alicerçava o modelo feudal/absolutista.
Destaca-se ai a condenação do lucro, o que obviamente contrariava o desejo da
burguesia, desejosa pelo acúmulo de riquezas. Portanto era preciso livrar-se do
obstáculo teocêntrico.
Sob
a luz do iluminismo (redundância proposital) e com o apoio de plebeus e servos
(iludidos), a burguesia desferiu um golpe fatal no sistema feudal/absolutista,
a Revolução Francesa. Em nome da liberdade intelectual, religiosa, política e
principalmente do desenvolvimento industrial/comercial. O comércio limitado, o
artesanato, a simples atividade agrícola/pastoril cederam lugar às manufatoras
e posteriormente às máquinas e o vapor. O mercado agora não era somente local,
era global.
As
relações feudais foram substituídas pelas relações de interesse. O homem teve
sua dignidade vendida, ou seja, valeria o que e enquanto produzia. Ou seja, só
mudou o tipo de exploração. Como os autores afirmam: “converteu o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem da ciência em
trabalhadores assalariados”. A sociedade burguesa encontra sustentação na
escassez. Sempre haverá mais trabalhadores do que vagas de trabalho. Como seu
dinamismo depende de uma produção cada vez maior, o excesso causa as crises
comerciais. A solução é a destruição de produtos, para que a escassez seja restabelecida
e assim o produto seja valorizado. Outra solução encontrada é a conquista de
novos mercados.
Outra
característica do sistema capitalista é a objetivação do trabalhador. O
trabalhador não possui o domínio sobre o produto e nem domina todo o processo
de produção, sendo por ele submetido, tornando-se um mero realizador tarefas
poucos complexas e ganhando um salário que só garante a sua sobrevivência. O
salário ainda é usado para consumir produtos e assim dá lucro a outros
capitalistas.
Como
forma de afirmar-se enquanto classe dominante e afastar a ameaça da
aristocracia e até mesmo de setores da burguesia em conflitos de interesses, os
capitalistas buscaram apoio na classe
trabalhadora, incentivando-a à luta política e assim contribuindo para sua
politização. Entretanto a legítima luta dos trabalhadores é contra a classe
dominante, e esta luta é incessante, por ser a classe explorada neste modelo
econômico/social.
Os
pequenos burgueses, a classe média, em tese luta contra a burguesia, não por desejarem
o fim do sistema capitalista. Mas como forma de afirmação enquanto classe
média. Oscilam de acordo com a conveniência, mas no fundo são conservadores ou
até mesmo reacionários ao defenderem o retorno ao sistema feudal/absolutista.
São o que os autores chamam de “classe
perigosa”, “a escória da sociedade”.
Coincidentemente
vivemos algo parecido atualmente aqui no Brasil, já que independente da época e
do desenvolvimento tecnológico e da informação, a essência podre da classe
média é a mesma. Foi às ruas protestar, influenciando os desavisados e
desinformados para também protestarem contra a corrupção, que seria originada
apenas de um partido, numa cretinice e dissimulação que eu nunca havia
presenciado. O pato amarelo é o ícone desse movimento, além do famigerado MBL e
outros do gênero. Entre as suas armas, a informação distorcida na internet e o
apoio da grande mídia. O desfecho foi o golpe parlamentar que derrubou um
governo legitimamente eleito.
Voltando
ao Manifesto, quero agora discorrer
sobre os instrumentos de perpetuação da dominação burguesa.
Marx
e Engels afirmam que o modelo de família burguesa nada tem haver com a família
dos proletários, um abismo social as separa. Esse formato familiar em que um provedor
sustenta e tem autoridade sobre os seus é reforçador do modelo econômico. Ou
seja, faz o trabalhador pensar na necessidade de que alguém tenha autoridade
sobre ele e o sustente com a remuneração por seu trabalho, mesma que seja para
uma sobrevivência miserável. A lei, a moral e a religião também contribuem para
a perpetuação da dominação. Esta desigualdade transforma as famílias dos
trabalhadores em meras reprodutoras de mão de obra.
O
fato é que se faz necessária a verdadeira revolução proletária, que em primeiro
lugar deverá extinguir a propriedade privada, é uma condição essencial. Em
segundo lugar pela extinção das outras classes sociais e estruturas sociais que
legitimam e perpetuam a sociedade burguesa.
Mas
por que extinguir a sociedade burguesa? Ora, nas sociedades anteriores, mesmo
as classes oprimidas tinham alguma possibilidade de melhoria de vida. Na sociedade
capitalista, apesar de pregar-se a liberdade de pensamento e de escolhas, isso
não existe. Com o progresso industrial, a tendência é aumentar ainda mais a
exploração e piorar as condições de subsistência dos trabalhadores. Esta é a
essência do capitalismo, a busca incessante pelo lucro à custa do
empobrecimento da classe trabalhadora. Diante disso, esse modelo de sociedade
deve deixar de existir.
Ao
discorrer sobre a posição dos comunistas em relação aos proletários, os autores
apontam algumas características fundamentais para diferenciá-los dos demais
movimentos operários. Em primeiro lugar, as lutas não se restringem ao âmbito
nacionalista, ou seja, os interesses da classe operária são os mesmos em todo o
mundo. E este sempre será o interesse do movimento, os comunistas que atuam nos
diversos partidos operários têm a consciência da consistência necessária para a
luta, tendo como parâmetros os objetivos gerais do movimento operário.
Uma
das principais bandeiras do movimento é a extinção da propriedade privada, que
deverá tornar-se propriedade comum. Os críticos dizem que isso é uma usurpação
das conquistas das pessoas. Diante disso, os autores perguntam: “Mas o trabalho assalariado cria propriedade
para o trabalhador?” E afirmam: “De
modo algum”. O trabalho, por ser explorado, só produzirá mais capital. É
preciso entender isso, o capital só é produzido através da exploração do
trabalho assalariado e se retroalimenta.
A
propriedade privada, neste sentido, é uma força social de perpetuação da exploração.
Mudar a essência desta força social, de privada para comum, fará com que toda a
sociedade ganhe. Isto significará tirar os trabalhadores da miserável condição
de apenas sobreviver para produzir riquezas para os capitalistas. Na prática,
as grandes propriedades privadas impedem a imensa maioria da população de
conquistar algo. Como conquistar bens se o que recebem mal dá para
sobreviverem?
“O comunismo não priva ninguém do
poder de apropriar-se dos produtos da sociedade; o que faz é privá-lo do poder
de subjugar o trabalho alheio por meio dessa apropriação”. (p.41)
Os
autores também tecem críticas ao modelo de educação da sociedade burguesa, em
que as escolas são aparelhos de doutrinação do sistema. A luta de classes
ultrapassa a fronteira destas verdades irretocáveis da sociedade burguesa, como
o nacionalismo, a moral e a religião. Estas, aliás, somente contribuem para a
manutenção do status quo. Esta luta é entre classe dominante e classe dominada.
Por
isso o comunismo é tão combatido pela burguesia, a consistência dos argumentos,
a perseverança na luta e as idéias foram forjadas sob o jugo da exploração e
não simplesmente pelo mero discipulado a algum pensador. Se uma ideologia não
propõe nada de novo, se apenas repete discursos anteriores sob uma nova
roupagem, não é revolucionário. O comunismo propõe mudanças profundas na
sociedade, por isso as chamadas verdades eternas como a religião e a moral são abolidas,
pois são aparelhos de legitimação dos valores burgueses.
O
fato e que a destruição do antagonismo de classes, ou seja, das desigualdades, representará
a extinção das classes sociais. Todos serão iguais e desfrutarão do
desenvolvimento econômico, do resultado do trabalho, não mais como instrumento
de perpetuação da exploração, da produção de riquezas para a burguesia. Mas
como instrumento de justiça social.
O
capitalismo está ai, enraizou-se. Mesmo entre os comunistas existe a consciência
de que uma verdadeira Revolução Proletária dificilmente se realizará, para não
dizer impossível. Porém o manifesto não
perdeu sua importância como referencial ideológico e objeto de estudo,
principalmente no atual contexto, em que as redes sociais tornaram-se uma
verdadeira enxurrada de achismos, turbilhão de sandices.
A
quem é de esquerda, como eu, resta a luta por justiça social nesta realidade de
exploração que persiste, é uma luta árdua, às vezes inglória. O que não podemos
é desistir, não se calar e agir com inteligência estratégica.
Proletarier aller Länder, vereinigt euch!
"Trabalhadores do mundo, uni-vos!"
Por
Carlos Antonio Fortuna de Carvalho
Acadêmico
de Pedagogia – Universidade Federal de Goiás.
Escrito
em 27/01/2018.
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